Começou por brincadeira e pelo desejo de experimentar algo de novo. Acabou por se deixar levar pelo amor à representação que hoje encontra traduzido em 17 novelas e mais de vinte peças de teatro. Pensa reformar-se mas não afastar-se da arte, que alimenta há quase 40 anos.
Em Dancin'Days, da SIC, interpreta Ester Galvão, uma mulher com origens judaicas. Como se preparou para a interpretar?
Falei com um professor de hebraico, judeu, da comunidade Israelita de Lisboa, que me ajudou com algumas expressões. Mas não é nada oficial. A comunidade judaica é, por muitas razões e com toda a razão, uma comunidade fechada e por isso sabemos muito pouco. Claro que não faço um papel de uma mulher judia ortodoxa. A Ester tem as suas convicções, mas afastou-se da sinagoga e de um percurso mais próximo da sua... não digo religião, mas maneira de estar na vida. É uma mulher muito passiva, que dá uma grande importância à família. Para os judeus a família é um um pilar. É uma coisa que acho maravilhosa.
É uma personagem que tem alguma coisa que ver com a sua maneira de estar na vida?
Só se for no facto de gostar da família e de gostar de estar com quem gosta e só com os seus. Aí temos muito que ver uma com a outra. E tentar fazer o melhor. Não é fazer bem, é fazer o melhor. Isto é muito judaico e eu tentarei sempre fazer isso. Bem é pouco, melhor será ótimo.
Dancin' Days é a segunda novela da SIC coproduzida pela SP Televisão e Globo e também a segunda que interpreta depois de estar muito tempo na Plural e na TVI. O facto de Laços de Sangue e Dancin'Days terem a mão do gigante da ficção brasileiro é a receita do sucesso destas produções?
Não lhe posso dizer que é da Globo. Não posso dizer que há mais qualidade só por causa da Globo. Penso que a SP tem aí um papel também muito importante. Acho que é uma parceria que resulta. Deu provas nosLaços de Sangue e está a começar a dar com esta novela. As pessoas, tanto quanto ouço na rua, estão a começar a gostar.
Júlio César, seu colega de elenco, disse há dias ao DN que estava muito satisfeito com as audiências e muito feliz por, pela primeira vez, a ficção da SIC estar a "morder os calcanhares" à da TVI...
São coisas próprias das novelas, vamos lá ver [como corre]. Acho que são precisos êxitos. É bom para os atores e para o público. Sobretudo para os atores. É importante que sejam reconhecidos. E também é bom para quem escreve. Isso é o mais importante para mim: uma boa escrita é uma boa novela.
Nos últimos tempos temos assistido a uma proliferação de remakes no que diz respeito às novelas, tanto portuguesas como brasileiras. Foi Vila Faia, O Astro, Dancin' Days... Atrevo-me a perguntar se os autores estão com falta de imaginação?
E eu atrevo-me a dizer que sim, que se calhar é um bocado falta de imaginação. Durante anos e anos a novela baseou-se em ricos, pobres, maus e bons. A vida não é isso. Pode haver um rico maravilhoso e um pobre horrível. E os amores não têm de ser a três. A novela bateu-se sempre por isso. É tudo igual.
Provavelmente por ter sido uma fórmula de sucesso.
Provavelmente. Mas é uma fórmula que se está a esgotar. As pessoas querem mais e estão mais informadas, não é? As pessoas que veem novelas gostam, provavelmente, de ver nelas espelhados os seus problemas. Esta novela que estamos a fazer não é uma novela com historieta. Dancin' Days tem vários problemas de família. Não há praticamente uma personagem principal. Ou duas, ou três, ou quatro, ou cinco. Quando atua aquele núcleo, ela passa a ser a personagem principal porque a sua história é forte. É um pouco inovador, se quisermos. E isso agrada-me bastante. Já era tempo de a novela ser inovadora.
O sucesso das novelas da SIC pode também ter que ver com esse esgotamento e falta de inovação nas novelas emitidas pela TVI?
A isso não posso responder porque não vejo novelas. Vejo o meu papel, e só às vezes, para saber como é que vai.
Como vai em termos de cronologia da trama ou para saber como vai a sua prestação?
Para saber como vou. Se bem que acabo sempre por nunca gostar. Nunca me agrada.
Faz parte do leque de atores que não gosta de se ver, que por acaso é a maioria.
E ainda bem, senão, era muito fácil ser ator. É preciso estarmos muito atentos a nós próprios, sem atitudes de grande estrela que não interessam a ninguém. Nem ao próprio. E andar para a frente sempre a tentar melhorar. Aprende-se sempre muito até ao fim da nossa carreira.
No seu caso deve ter aprendido muito logo no início, quando interpretou uma prostituta na primeira novela portuguesa, Vila Faia [em 1982]. Foi um papel forte.
A Mariette foi um papel assustador. Na altura a prostituição era tabu. Quem é que falava de prostituição? Tive algum medo. Medo mesmo. Mas depois tive grandes amigos a apoiar-me: o Nicolau [Breyner], as pessoas que estavam ligadas à produção. Toda a gente me ajudou e isso foi meio caminho andado para eu ter conseguido ter confiança em mim mesma e avançar. E não me arrependo.
Apesar de isso ter acontecido já nos anos 1980, depois do 25 de abril de 1974, ainda se sentia a censura em televisão?
Se calhar sentia-se como se sente agora (risos). Não a sinto no que toca ao que está escrito, aos argumentos. Mas é provável que a haja. Pelo menos vemos isso nos jornais. É outro tipo de censura.
O que mudou na ficção portuguesa desde essa altura até agora?
A técnica. As câmaras, a luz, o que os técnicos sabem. E a preocupação com a escrita. E os próprios atores. Havia atores que tinham uma maneira de falar um bocado teatral e tudo isso mudou.
Gostava de voltar a fazer um programa de humor, área em que se destacou ao lado de Herman José, nos anos 1980?
Adoraria. Até porque gosto muito mais de fazer séries do que fazer novela. A novela é muito cansativa, são muitas horas. A SP tem uma coisa boa que é repartir o dia de trabalho: de manhã vem um grupo de atores e à tarde vem outro e isso é ótimo. Mas às vezes é necessário trabalhar doze ou mais horas. É isso que me faz ter um respeito enorme e uma admiração profunda pelos técnicos, que normalmente trabalham 12 horas por dia. Trabalham no duro.
Há cerca de um ano, disse que o humor na RTP deveria ser "reduzido a um único e bom programa".
E ainda acho isso. Sou da opinião que uma boa noite de humor resulta mais do que 30 concursos e pode ser uma forma de informação tremendamente positiva.
O que é uma boa noite de humor?
É uma noite em que você aceita rir-se da sua própria sociedade, mas sem patetice, sem vulgaridade. Sem vul-ga-ri-da-de, que estamos fartos. A crítica política... Meu Deus, estamos em liberdade. A crítica política, a crítica a atitudes de poder político e a outros, a essa feira tremenda de vaidades. O humor é extremamente saudável quando é bom. Faz bem às pessoas que se estão a rir mas estão a ouvir coisas que entram na sua cabeça mais facilmente.
Era isso que acontecia na época em que fez O Tal Canal, o Hermanias, o Casino Royal com Herman José?
Sim, sim. Não porque eu estive lá, mas porque o Herman, na altura, era um (silêncio) genial humorista. A crítica que fazia à própria televisão, com O Tal Canal, depois a crítica de costumes. Todos os programas que ele fez eram excelentes. Excelentes mesmo.
O Estado de Graça, que passa na RTP em horário nobre, é um bom exemplo desse tal "único e bom programa" de humor?
É ótimo. Aliás, tem lá duas mulheres fabulosas. A Ana Bola tem um humor fantástico. A Maria Rueff não conheço enquanto pessoa, só enquanto atriz. Trabalhei muitos anos com a Bola e ela é uma extraordinária humorista. É aquele tipo de pessoa capaz de se rir dela própria e isso é muito bom, saudável. É uma forma inteligente de se observar.
E o Herman continua a ser um genial humorista ou essa genialidade que atribui aos programas que ele escreveu e protagonizou na década de 1980 perdeu-se com o tempo?
Eu não sei se a genialidade alguma vez se perde. (silêncio) Talvez aconteça é não se saber usá-la tão bem. Pode ter que ver com a sociedade de hoje, pode ter que ver com os tempos. Os tempos evoluíram muito e as coisas mudam tanto... Com a minha idade, que já é bastante, é muito claro para mim que o que se diz hoje não tem validade amanhã. Nem sequer é correto. As coisas evoluem de uma maneira... eu ia dizer trágica (risos).
Pode dizer, se é isso que pensa.
Evoluem ao ponto de nos obrigar a ter um comportamento diário de atenção, de vislumbre do que será amanhã. Hoje estou a dizer isto, como é amanhã? Há que ter o pensamento em dia.
As coisas têm mais consequências?
Sem dúvida alguma. Até porque há liberdade e quando a há tudo o que eu faço toca quem está comigo e quem está comigo toca-me quando toca na minha liberdade.
Essa atenção redobrada que diz que tem de ter não se torna desgastante?
Pode tornar-se, mas é o viver em liberdade, em harmonia com os outros. Viver não é uma brincadeira. É uma maravilhosa dádiva não sei de quem e há sempre que ter em conta os outros, em primeiro lugar, até porque os outros também sou eu, e aí entra a tal história do que é que eu estou a dizer, do que é que os outros me dizem, como é que eu vou funcionar perante as situações em que me encontro, o que me rodeia, o que me pressiona. Não podemos viver só para nós, não é possível. Nesta altura nem os monges devem conseguir viver só para eles e para Deus (risos). Provavelmente têm de viver para uma sociedade e pensar nela mais do que nunca.
Quando diz que a vida é uma dádiva mas não sabe de quem, quer dizer que não é uma pessoa religiosa?
Digamos que sinto religiosidade, mas não vou dizer que acredito que está ali Deus para me castigar ou para me beneficiar. Fui educada na religião católica, mas não me diz de facto... o comportamento diário dos católicos não me diz nada. Lamento.
Como se costuma dizer, tem a sua própria religião?
Nem é isso. É ter uma religiosidade intrínseca que faz parte de mim. Que sem querer, quando olho para a natureza, me faz parar o pensamento, me faz repensar. Sinto-me bem entrar num templo, católico ou outro. Fazem-me bem esses espaços de inquietação, de silêncio e de paz. É uma necessidade do ser humano, penso que não sou só eu a tê-la. Mas dizer que vou ali rezar uma ave maria, não...
Fala muito do silêncio e dos outros. É sempre assim tão ponderada? Nunca perde a cabeça?
Perco a cabeça muitas vezes. Sou extremamente emotiva, zango-me com muita facilidade. Não sou é capaz de odiar. Não era capaz de viver com ódio.
E perde a cabeça com o quê?
Quando as coisas podem ser bem feitas e não o são, com os políticos, que já não sei se são empresários se são políticos. Perco a cabeça com... eu nem sei se a palavra existe, mas com o desvairamento de leis que se mandam para a rua sem serem devidamente pensadas, com as vaidades, com a estupidez emplumada... Não sou uma pessoa boazinha. Apenas tento pensar no que faço, senão, andava aí à estalada.
Perde-a com casos como o da licenciatura de Miguel Relvas que tantas manchetes de jornais tem feito nas últimas semanas?
Esse caso é estranho. Para lhe dar uma resposta rápida, digo-lhe que é um caso péssimo e que o homem já devia ter ido "à vida". Uma resposta mais pensada, pergunto-lhe: Quantos Relvas há? Portanto, quem fez o Relvas foi o Relvas, quem lhe deu o papel foi alguém. E esse alguém, se calhar, devia também sair.
"Quase passei fome para fazer teatro"
Voltando à televisão, um dos canais da RTP pode ser alienado...
Confesso que me faz alguma impressão. Eu pergunto: neste momento, qual é a diferença entre o canal RTP e os outros? Não sinto muitas. Não há preocupação cultural. Não se ouve um concerto na estação principal, não se ouve uma entrevista, ou são raras, a individualidades da cultura. Fala-se muito que os portugueses não são cultos. Não é preciso ler muito, mas é preciso ao menos saber que há gente que escreve, que há gente que pinta. Que as coisas existem. Vemos estes programas da RTP aí pela província... é deplorável. É uma tristeza. Passamos a vida a elogiar chouriços? E paios? E azeites? E não há uma hora para um bom concerto de um português que apareceu, gente nova com tanto talento? Pronto... eu nem sei dizer se faz falta um canal ou não, sei que estou farta de que a RTP não tenha serviço público.
A RTP não faz serviço público?
Não faz nenhum. A não ser que eu não saiba o que é serviço público.
O Governo criou, há cerca de um ano, um grupo de trabalho para a definição do conceito de serviço público.
Então é tempo de o definirem. Mais do que tempo. Estão até um bocadinho atrasados.
Continua a ter vontade de parar de trabalhar em televisão?
Continuo. Eu olho para trás e vejo os grandes atores que acabavam no palco com um respeito imenso das pessoas. Hoje não. Falo de mim. Sinto-me desgastada por ser obrigada a fazer constantemente televisão, porque senão não tenho dinheiro para viver. O teatro aparece às vezes, eu não tenho fortuna pessoal, vivo e sempre vivi daquilo que ganho e vejo-me obrigada a aceitar sistematicamente [papéis em TV]. Penso "vou aceitar porque não sei o que vem aí". Nós, os atores, nunca tivemos nada de nada. Nós pertencemos à cultura e nos países pobres e ignorantes a cultura é assim: não tem espaço. Nunca tive subsídio de Natal ou de Páscoa ou lá como são essas coisas. Não tenho, não sei o que é. Nem eu nem os outros atores. E damos a vida por isto e chegamos ao fim com reformas ridículas, com um desgaste tremendo e sem oportunidades. Vai-se para a televisão.
Faz televisão para sobreviver?
Com certeza. A televisão é a minha sobrevivência. Quando comecei era a minha paixão. Larguei o meu emprego [no Ministério de Assistência Social] para ser atriz. É muito complicado ver uma paixão acabar em profissão. E uma profissão que desgasta e da qual eu começo a estar farta. Porque me apetece é ir embora para a zona da Beira Baixa e, de vez em quando, fazer uma peça de teatro, se alguém ainda se lembrar de mim nessa altura. E pouco mais.
Foi isso que a fez mudar da TVI para a SIC? A esperança de voltar a apaixonar-se pela arte da representação?
Não. Eu na TVI ia fazer novela na mesma. Por acaso a da SIC [Laços de Sangue] tinha muita qualidade. Por acaso ou pensadamente. Foi sobretudo por causa do Jorge Marecos, que conheço há muitos anos. Saber que ele estava lá, na SP Televisão, fez que se tornasse quase obrigatório dizer que sim quando me convidaram.
Foi a primeira vez que a convidaram ou a SP e a SIC já lhe tinham lançado esse desafio?
Para fazer novela foi a primeira vez. Mas eu não tenho contrato com nenhuma estação ou produtora. Não tenho nem quero. Trabalhar sem liberdade para poder escolher o que faço seria pior ainda do que não ter dinheiro. Tenho de fazer o que quero e se me apetecer ir para a Índia durante três anos, vou. Dizerem-me "não pode"... não.
No meio do cansaço que sente ainda há espaço para o prazer no que faz?
Claro, senão não fazia mesmo. Sabe que isto de ser ator é uma coisa incrível. Depois de ter o papel - e digamos que quando ouvimos a palavra "ação" - parece que rejuvenescemos nos nossos sentimentos, na opinião que temos e damos o nosso melhor. É patético. É óbvio que quando digo que me vou afastar é muito provável que me encontre com gente que queira aprender um bocadinho de teatro amador. Teria muito gosto em fazer isso. Porque eu não quero a reforma para me sentar a fazer tricô. É uma paixão difícil.
Consegue fazer projetos para o seu futuro?
Nenhum ator em Portugal pode fazê-los. Agora há alguns que conseguem. Dizem "em 2014 vou fazer isto..." Nunca me aconteceu. Uma vez tive um convite para uma peça de teatro que era preciso aceitar com ano e meio de antecedência e eu disse que não, porque se me aparecesse um trabalho [em TV] eu teria de o fazer. Depois como era? Deveria ter dito "sim senhora, contem comigo" e depois logo se via. Acho até que hoje tem de ser assim, só que eu sou da velha guarda e isso feria a minha maneira de ser.
Fazer TV para poder ter dinheiro não é preocupante? Não saber o que pode acontecer quando um determinado projeto acabar?
Preocupa. Mas, em todo o caso, repare: o luxo não me diz nada, nunca me disse. O desaparecer deste meio também não. Nunca me disse nada, nunca procurei a fama. Vivo com muito pouco se for preciso. Adapto-me a todas as circunstâncias e sei o que estou a dizer. Não é "ah, pois, tens dinheiro e tens trabalho, por isso é que dizes isso". Já passei por coisas terríveis. Já passei por coisas mesmo muito más. Por isso sei do que estou a falar. Acho que às vezes é só as pessoas olharem à volta e terem força. Aquela energia que despendem a dizer "eu sou uma desgraçada", usem-na para a força. Eu sei que é fácil dizer isto, mas é assim que tem de ser porque a vida não nos perdoa.
Alguma fez passou fome?
Quase (silêncio). Para fazer teatro (risos). Depois, cheguei aos meus 40 e tal anos, olhei à minha volta e disse "não posso continuar a fazer só teatro".
Quando quase se passa fome onde é que se agarra?
É aí que entendemos que temos dentro de nós uma força incontrolável e que temos de a usar. É só preciso um bocado de coragem. Aí, sim, se calhar, vale a pena dizer que "amanhã vai ser melhor do que hoje".
"A televisão é uma máquina que usa, tritura e deita fora"
Como vê o facto de tantos jovens atores saírem de Morangos com Açúcar?
Foi e é uma grande escola, mas é também uma escola de ilusões. Eles aparecem e muitos perdem-se pelo caminho se se aperceberem como. A televisão é uma máquina que usa, tritura e deita fora. Não deita aqueles a quem o público sente que (pausa) vale a pena vê-los, que dão audiências.
Está a referir-se aos atores que conseguem audiências não através do seu trabalho mas do que fazem fora do ecrã?
Pois (risos)... Nestes grupos enormes em que 80 por cento se perde há 20 por cento que vão segurar isto. Há gente muito boa.
Laços de Sangue deu a conhecer ao País Joana Santos, uma atriz da escola Morangos com Açúcar.
Lá está. De vez em quando saltam de lá uns meninos como ela. Se ela tiver juízo, vai ser um monstro porque é ótima. Também teve a sorte de lhe entregarem logo um papel de grande responsabilidade. Claro que se pode ter a sorte de se receber um grande papel, mas se não se tiver talento...
Lembra-se de ter essa idade? Da primeira peça de teatro que viu?
Foi no Teatro Nacional, uma peça de Gil Vicente, e eu estava a estudar no Liceu D. Filipa de Lencastre (sorri). Tinha 17 anos.
Apaixonou-se pelo teatro?
Não. A paixão veio depois. Eu trabalhava no Ministério de Assistência Social, ali no Largo do Rato. Passava todos os dias pelo Instituto Italiano, na Rua do Salitre [Lisboa]. Uma vez vi que davam cursos de teatro, achei piada e pensei experimentar. Fiquei lá três anos com o Carlos Vieira de Almeida, que continua a ser um ótimo ator, e com a Raquel Maria que já nos deixou e foi das melhores atrizes de teatro da minha geração (silêncio). Acabei por ficar (emociona-se) e, para aí no segundo ano de teatro, o João Lourenço chamou-me para fazer parte da primeira encenação dele. Foi em 1973 e foi aí que ser atriz começou a ser uma paixão. Passado um ano e meio deixei o Ministério, deixei tudo.
Passaram quase 40 anos. Durante o seu percurso nunca pensou emigrar em busca de melhores oportunidades de vida?
Se saísse de cá acho que não voltava. Não por não gostar de Portugal, mas porque não pararia mais de viajar. Se calhar, tenho o espírito dos descobridores (risos). O nosso país é maravilhoso. Tem, por vezes, uma ingenuidade que eu amo. É belo de mais. E os portugueses são uma amálgama de seres, de maneiras de pensar. Mas não se sai de 50 anos de fascismo a trabalhar como outro povo da Europa. A primeira coisa é desacreditar no patrão, dizer "ele está a lixar-me", "ele é rico e eu sou pobre". Continua a pensar-se que os que têm dinheiro são maus.
É um povo recalcado?
Acaba por ser. Nós tínhamos medo de entrar num espaço público que é uma coisa que agora não cabe na cabeça de ninguém. E isso vai ficando. Como se ultrapassa esse medo? A fazer disparates, como estamos a fazer. E a fazer coisas boas, como estamos a fazer.
Não ter filhos por não poder mudou a sua perspectiva de vida?
Não sei se mudou, mas, se calhar, se tivesse filhos, quando passei na Rua do Salitre... hoje ainda seria funcionária pública.
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