Canais e programas, apresentadores e pivôs usam a rede social como ferramenta de trabalho. O objetivo passa por criar laços de amizade com os espectadores e tornar a comunicação cada vez mais global e viral.
"É essencial para qualquer pessoa que faça TV. Recebemos e-mails e cartas, mas o Facebook é mais imediato. Para mim e para o [Manuel Luís] Goucha, que não queríamos, que não gostávamos, que argumentávamos não ter tempo, agora percebemos que é essencial", diz Cristina Ferreira. A apresentadora de Você na TV!, da TVI, conta com mais de 350 mil seguidores nesta rede social e é uma das muitas caras da televisão portuguesa que a utiliza como uma espécie de "continuação do programa" que conduz.
Mas, afinal, qual é o verdadeiro papel do Facebook no mundo televisivo tradicional? "Pode ser uma mais-valia", responde Manuel Luís Goucha, que soma quase tantos fãs como a colega. "Na altura não achei graça, mas depois percebi que pode ser importante porque há um contacto direto com o espectador e cria-se uma corrente de opinião que enriquece a conversa".
Cristina Ferreira acrescenta: "A ideia de ter Facebook não foi nossa, mas da TVI. Hoje penso que as audiências têm subido com a partilha online do que fazemos em estúdio. Isso viu-se no dia em que eu e o Goucha nos metemos na banheira com o Mickael Carreira." Aliás, dos canais de televisão portugueses, o privado da Media Capital é o que tem mais seguidores (quase 175 mil) no Facebook.
Fátima Lopes é outro rosto da TVI que, depois de abrir um perfil enquanto figura pública, aceitou o desafio do canal para dar a cara por um outro que desde junho de 2011 divulga o programa A Tarde É Sua. "Este último tem-se revelado muito importante. Tem sido uma excelente ponte de comunicação com o público até porque é alimentado enquanto estamos no ar", realça. "Não uso iPad porque o programa exige uma grande concentração, mas se alguém fizer um comentário importante, sou de imediato avisada através do auricular".
Páginas de canais a cargo do marketing...
A proximidade com os seguidores que se identificam com os canais televisivos é o grande objetivo da presença dos mesmos nas redes sociais. Dos generalistas nacionais, a RTP é o que tem uma maior presença. "Temos cerca de 85 páginas ativas. Somando todos os 'gostos' andaremos por volta de um milhão e quinhentos mil seguidores", conta Ricardo Tomé, coordenador de Conteúdos Web da estação pública. "A estratégia que tomámos há cerca de dois anos foi não nos concentrarmos numa única página. As pessoas têm gostos distintos e por vezes ligam-se muito mais a um programa ou a um apresentador. Uma empresa ou um canal é muito abrangente e o tipo de adesão é diferente", continua.
O caso é paradigmático no que diz respeito às páginas da RTP1 e da RTP2: contrariando o que acontece com as audiências televisivas, a primeira tem pouco mais de 35 mil fãs, menos dez mil do que a página da RTP2. "O 5 para a Meia-Noite nasceu na RTP2 numa época em que havia poucas páginas ainda ativas. O programa funcionou nas suas primeiras temporadas em cima da página da RTP2. Isso ajudou ao primeiro boom. Depois, a RTP2 é um canal muito acarinhado pelo público, não tanto por aquilo que é visto, mas pelo que representa e pelos conteúdos que vão sendo partilhados", justifica Ricardo Tomé. "E é preciso não esquecer que para muitas das pessoas a RTP é a RTP1 e vice-versa. Portanto, se somarmos a RTP, onde comunicamos tudo o que tem que ver com a marca, desde rádio aos canais de TV, e a RTP1, onde trabalhamos as notícias e a programação do canal, temos um maior número de seguidores".
E os públicos do Facebook são os mesmos que os dos programas em ecrã tradicional? "Se for um programa que fala para uma classe etária mais jovem, e estando os jovens praticamente todos na Web, a proximidade é fortíssima. Agora, temos formatos de grande entretenimento, e acho que isso acontece com todos os canais, em que olhamos para as audiências e para a rede social e vemos que nesta os jovens estão em muito maior peso do que no programa de TV. Foi o caso da Voz de Portugal. Ou seja, quando falamos de programas que apelam a um público muito mais global nota-se claramente que há uma diferença, justificável pelo facto de as pessoas das classes média e média-baixa, menos abonadas de rendimentos, não terem net e não estarem presentes no Facebook".
"As páginas da estação pública (das quais a mais antiga é a da RTP) são geridas "em acumulação". "Temos a equipa Web que, juntamente com a direção de marketing, trabalha tudo o que é online. Essas pessoas não fazem só redes sociais, mas também a gestão dos nossos sites. Administram cerca de 12 perfis do Facebook. E temos três pessoas que trabalham exclusivamente conteúdos e que além desta dúzia de páginas ainda tiram dúvidas, dão sugestões e formação a colegas internos que gerem as páginas dos seus programas ou os seus perfis públicos." "Uma coisa que é importante referir é que somos antiautomatismos. Todos os updates são feitos manualmente. Menos posts, mas bons, bem feitos e relevantes têm de ser atualizados por pessoas. É isso que torna um post relevante para quem segue a página. Tentamos não inundar os murais dos nossos fãs".
Na SIC, é a direção de Marketing e Publicidade a responsável pela gestão do Facebook oficial. O canal de Carnaxide tem cerca de 135 mil seguidores e surgiu como "forma de as pessoas se sentirem próximas". "Trabalhamos para as pessoas e as redes sociais servem para se criarem e gerirem relações. O Facebook é mais uma forma que as pessoas têm para interagir connosco, e nós com elas. Assim, quando estiverem a pensar no que vão fazer, terão a SIC mais top of mind. Queremos facilitar o processo de escolha dos nossos espectadores e este é mais um ponto de contacto", diz fonte oficial do canal.
Um ponto de contacto ao qual a administração da página e a direção de programas do canal não são alheios. "Claro que há comunicação entre estes departamentos. Há uma comunicação entre a administração de todas as páginas e todos os canais do universo SIC. Atualmente, neste conjunto de canais e páginas temos mais de um milhão de seguidores e por isso é fundamental monitorizarmos o que por lá se passa dando-nos também informação importante sobre os gostos e as preferências dos espectadores em múltiplos segmentos".
Tal como a RTP, também a estação privada da Impresa admite ainda cuidado com o que publica no seu mural. "Revemos mensalmente a estratégia e diariamente definem-se as prioridades de forma a ser o mais relevante possível. Há um cuidado em equilibrar o tipo de posts que são colocados. Queremos que a página da SIC seja um sítio de todos, por isso incentivamos conversas com o nosso público e também partilhamos estados de alma", explica ainda a direção de Marketing e Publicidade.
A partilha pode ter sido a razão do sucesso de páginas de programas como Casa dos Segredos (TVI) ou Gosto Disto! (SIC). "É uma nova experiência, uma nova forma de comunicação, onde poderei mostrar os bastidores de Casa dos Segredos 3 do ponto de vista da apresentadora", sugere Teresa Guilherme, que se prepara para a condução da terceira temporada do reality show e que, recentemente, aderiu ao Facebook. "Decidi criar uma página oficial minha porque as que havia eram falsas e com o programa a aproximar-se isso poderia ser perigoso".
Andreia Rodrigues, apresentadora de GostoDisto!, reconhece que "a partilha de conteúdos num mundo em que as atenções estão cada vez mais dispersas possibilita que as pessoas que voluntariamente" a seguem na rede social acompanhem também os conteúdos dos programas em que participa "ou, no mínimo, que estejam a par dos mesmos". "O reconhecimento de um programa depende do visionamento do mesmo e como sabemos isso já não se faz apenas no televisor".
Partilha de intimidade 'online'...
A maioria das figuras televisivas não se limitam a promover os respetivos programas. Falam sobre a sua vida pessoal e publicam imagens alusivas à mesma, admitindo que esta é mais uma forma de criar laços com os espectadores que as seguem. "As pessoas gostam de fazer parte da nossa vida. Partilhar coisas mais pessoais é criar laços. O Facebook é uma plataforma viral e nesse aspeto é muito importante. A partilha faz parte daquilo que é a comunicação global", diz Maya. "Dou um exemplo: no meu programa dizia muitas vezes antes de ir para intervalo que ia beber o meu chá. No Facebook começaram a perguntar que chá bebia e respondi que era chá verde. Tempos depois, numa sessão de autógrafos, levaram-me um pacote. Por aqui se vê que o Facebook é sobretudo isto: uma partilha de experiências e um fórum onde os espectadores dão opiniões", avança a taróloga, que conduz As Cartas da Maya - O Dilema na SIC. "A página deste programa tem muita partilha com a do Querida Júlia [Júlia Pinheiro] porque nós olhamos para as manhãs do canal como um bloco".
Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha também abrem a janela da sua intimidade na rede social. "Sinto-me obrigada a mostrar um pouco mais de mim às pessoas. Há sempre quem entenda e quem não entenda e me critique. Não o faço por obrigação", explica a co-apresentadora de Você na TV!. "No Facebook abro uma janela para a minha intimidade, mas com conta, peso e medida. Na semana passada preparei no meu jardim uma mesa para o pequeno-almoço. Fiz panquecas de iogurte e coloquei a receita no meu mural. Recebi em poucos minutos uns setecentos comentários. Também mostro os meus amigos de quatro patas, as fotografias das minhas férias ou falo do livro que ando a ler", conta Goucha. "Mas quem escreve para dizer mal de mim de forma gratuita, ou seja, pessoas que não me conhecem e me ofendem, só o fazem uma vez porque são banidas", concluiu o comunicador.
Teresa Guilherme partilha da mesma opinião. E exemplifica: "Achei extraordinário durante as minhas férias ter encontrado o Cristiano Ronaldo, que nem sequer conhecia pessoalmente. Pedi-lhe autorização para colocar uma fotografia nossa no Facebook. Mas nunca digo aos seguidores da minha página onde me encontro."
Comum à maioria das figuras públicas é a utilização da rede social como forma de enriquecimento dos programas que apresentam. "Temos recebido muitas histórias, algumas a partir de comentários que fazem. Contactamos essas pessoas e perguntamos-lhes se querem vir ao Você na TV! contar a sua história. O Facebook permite-nos também fazer um trabalho de pesquisa. Ainda recentemente isso aconteceu quando começámos a falar dos livros da Anita", acentua Cristina Ferreira.
Rede social não substitui jornalistas...
RTP Informação, RTP Notícias, SIC Notícias e TVI24 encontram-se registadas no Facebook. Porém, os principais blocos noticiosos dos canais de televisão não têm páginas próprias. Nuno Santos, diretor de Informação da RTP, explica que, se "esse é um trabalho em construção: os media convencionais também estão em aprendizagem face a um fenómeno relativamente novo e que muda todos os dias".
Já o coordenador de Conteúdos Web da estação, Ricardo Tomé, revela que "o que se decidiu foi que não faria sentido criar páginas para o Jornal da Tarde e para o Telejornal sem o fazer para os outros blocos de informação". A exceção é Bom Dia Portugal, que tem presença no Facebook, mas não com a administração deste departamento. João Tomé de Carvalho, pivô deste bloco informativo das manhãs da RTP, contou à nossa revista que através da página do programa recebe muito feedback das pessoas durante as suas três horas e meia de emissão. "Este mês por causa das férias está fraquinho. Mas costumamos ter cento e tal links, além de trinta a quarenta comentários por programa", enumera.
Apesar de a informação televisiva também funcionar muito à base da partilha, Nuno Santos mostra-se crítico em relação à rede social enquanto fonte de notícias. "É um bom instrumento mas não substitui os jornalistas nem o trabalho jornalístico. Nunca faço, nem deixo que na redação se faça essa confusão", avança o diretor de Informação, que aplica os mesmos critérios no que diz respeito à linha editoral da RTP e do Facebook. "A responsabilidade é a mesma mas convém dizer que nas redações estamos todos a aprender a lidar com realidades que são novas e que têm um potencial de mutação que nenhum de nós consegue antecipar com rigor", conclui.
A Noticias TV contactou a TVI, mas até à hora de fecho da edição, não obteve resposta.
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